As três estrelas brilharam forte, anteontem à noite. Eu, na verdade, me preparara durante os seis meses anteriores, já que teria de esperar. Lera a respeito, do histórico aos comentários encontrados aqui e ali.
Pela leitura desses comentários tive a impressão de que a maioria não parecia saber do que estava falando. As opiniões eram as mais diversas. Uns desdenhavam, outros punham defeito em alguma coisinha ou, simplesmente, esculhambavam com tudo e todos. Outros ainda faziam o oposto: seus elogios eram quase religiosos. Houve também os que comentavam só para dizer que foram, que faziam parte do seleto grupo. Há quem vá com muitas expectativas, com insatisfação previamente carimbada.
O fato é que a diversidade de opiniões, como bem sabemos, revela mais sobre os que comentam do que sobre o comentado. Portanto, só posso afirmar que essa experiência é vivida de acordo com o que cada um já experimentou. De minha parte, posso dizer que a sensação pode ser a mesma de um recital como o de Ivo Pogorelich na Salle Pleyel (1987), quando tocou “Gaspard de la nuit”. Assistir, três noites seguidas, a Filarmônica de Berlim com Herbert von Karajan num lugar e num momento únicos: Beijing, no primeiro ano de sua abertura ao mundo e transformação no que é hoje a China, não tem preço (tanto que o ingresso custou o equivalente a um dólar por cada apresentação, por incrível que pareça). Ainda acho que quem não ouviu essa orquestra com aquele regente vai ter de esperar por outra coincidência dessa magnitude. Ou então assistir, no mesmo lugar, o Balé de Stuttgart, na época de Márcia Haydée. Ou mais ainda, o Concerto de Bangladesh com George Harrison e um monte de seus amigos de primeiríssima linha, no Madison Square Garden, em 1971. Ninguém sabia quem estaria no palco; todos ouvíamos, incrédulos, o anúncio da entrada em cena de cada um deles. Mais ainda, um concerto emocionante de Chico Buarque em Paris, nos anos oitenta.
Enfim, foi pura música. Não pretendo comparar uma coisa com outra, mas demonstrar quão surpreendente pode ser uma experiência, quando a gente está com a boa disposição.
No dia 29 de abril, logo que saiu o resultado da votação dos mais de novecentos profissionais da área em todo o mundo, divulguei-o neste blog. Ao mesmo tempo, enviei um e-mail solicitando reserva para a próxima oportunidade. No dia 6 de maio, confirmaram para 30 de outubro. Joan me disse que as reservas agora são para daqui a um ano.
Tendo sido anteriormente o número 2 do mundo por dois anos consecutivos, o restaurante Celler de Can Roca, dos três irmãos Roca, foi elevado a melhor do mundo em abril último. Anteontem, brilharam as três estrelas: Joan (Chef, cozinha), Josep (sommelier) e Jordi (o mestre dos doces e sorvetes), mas também as três estrelas Michelin que, posso agora dizer, são merecidíssimas.
O ritual começou pela reserva de hospedagem para aquela noite. Um jantar desse porte não dura menos de três horas. Voltar a Barcelona na mesma noite seria impensável. Encontramos a solução perfeita, a um quarteirão do restaurante: Girona Apartments. Não há outro tão próximo. Novinho, bem acabado, decoração minimalista, cozinha toda equipada, lavanderia e um bom terraço onde cabem duas ou três mesas para quatro pessoas; um apartamento temporário correto. Diária muito razoável, na faixa dos 60 euros. Fica numa minúscula praça, sem tráfego, silêncio absoluto. O quarto não aparece nas imagens abaixo, mas é confortável, com bons armários.
A primeira impressão que se tem ao chegar é de que, ao contrário do que muitos imaginam, não é um restaurante como outros desse nível. Há muitos com uma decoração rebuscadíssima, luxuosa, e sequer possuem estrelas. A localização atual data de 2007, quando recebeu uma extensão próxima à original, de arquitetura moderna e minimalista, para acomodar os comensais. Há um jardim externo com mesinhas, provavelmente para outras situações, distintas de almoço e jantar. Atualmente, está configurado para apenas 50 lugares (o El Bulli tinha 250, em sua fase final). A cozinha também é nova. O restaurante opera com 30 Chefs. Ao todo, 50 pessoas trabalham no Celler de Can Roca. Ou seja, entre almoço e jantar, a equipe atende a apenas 100 pessoas/dia.
Veja as imagens externas:
Esta é a área de recepção, em frente da qual há uma loja onde se pode adquirir alguns dos produtos do restaurante:
O interior do restaurante é triangular, com muito vidro e madeira. Um jardim envidraçado divide parcialmente os dois ambientes. Há muito espaço livre, tanto de passagem quanto entre as mesas, cuja disposição permite uma certa privacidade.
Como se vê acima (chegamos um pouco antes que viessem os demais comensais para fazer essas imagens), não há aquele luxo de certos restaurantes renomados, ainda que às vezes sem nenhuma estrela Michelin. É um ambiente elegante, minimalista. Em cada mesa, três pedras, ou rochas, “roca” em espanhol.
Este é o jardim, visto de nossa mesa:
(Continua)